quarta-feira, 12 de maio de 2010

PARTILHA DA ÁGUA UMA DIPLOMACIA QUE AINDA PRECISA SER INVENTADA

Quando alguém lhes pediu para citarem um exemplo de rio, ou de lençol de água situado numa fronteira comum, que seria compartilhado por dois ou vários países, e que estaria sendo administrado de maneira combinada e harmoniosa pelas nações envolvidas, os especialistas reunidos no 13º Congresso Mundial da Água, que foi realizado de 1º a 4 de setembro em Montpellier (na região do Hérault, centro-sul), demoraram muito para responder. Após reflexão, eles se renderam: "Isso não existe", constataram.

De fato, existe um único caso, que foi descoberto por ocasião da sessão especial do congresso dedicada às águas situadas dos dois lados de uma fronteira ou que atravessam várias jurisdições. Desde 1978, a França e a Suíça vêm administrando em parceria, utilizando como base um sistema de cotas, um lençol subterrâneo que alimenta, entre outras, a cidade de Genebra. Trata-se de "uma antiga co-propriedade que funciona", resumiu um representante das coletividades francesas envolvidas no projeto. Os dois países são ricos, amigos, e a água é abundante na região, o que explica esse sucesso. "Sem dúvida, este é um caso único no mundo", comentou Didier Pennequin, o chefe do serviço de águas no Bureau das Pesquisas Geológicas e Minerais. Os casos do Reno e do Danúbio também chegam a ser citados, embora estes rios não sejam objetos de uma cooperação tão intensiva entre os países que atravessam.

Contudo, na quase-totalidade dos casos, predominam a hostilidade ou a total inexistência de relações entre Estados que compartilham recursos comuns em água, cada um agindo como bem entende, sem se preocupar com as conseqüências de seus atos para o seu vizinho. Cerca de 260 bacias fluviais em todo o mundo são compartilhadas por dois países ou mais, além de centenas de lençóis aqüíferos subterrâneos. Ora, à medida que as pressões vão se acumulando sobre o recurso - poluição, aumento das necessidades relacionadas ao crescimento demográfico, ao desenvolvimento da hidroeletricidade e da irrigação, ou à alteração climática -, as tensões vão se ampliando.

"Na maioria dos casos, as relações entre Estados são quase sempre assimétricas", explicou Tony Allan, um professor no King's College de Londres. "Alguns países ribeirinhos são fracos, enquanto outros são fortes". Estes últimos são chamados de "Estados hidro-hegemônicos". O caso mais célebre diz respeito a Israel, que capta a água do rio Jordão em detrimento da Palestina. A construção de barragens em determinados rios, as quais diminuem o regime das águas mais abaixo, pode igualmente provocar conflitos. É assim que o Vietnã se queixa dos efeitos das construções erigidas pela China no rio Mekong, o que não impede os vietnamitas de construírem suas próprias barragens, desta vez em detrimento do Camboja.

A exploração dos lençóis subterrâneos levanta problemas específicos. "Trata-se de recursos invisíveis, que podem ser explorados por milhares de protagonistas diferentes", explica o hidro-geólogo Jean Margat. "Ora, os bombeamentos efetuados de um lado da fronteira têm uma influência sobre o nível do lençol situado do outro lado". Com isso, a exploração excessiva de lençóis de água pela Turquia na fronteira turco - síria acabou resultando no esgotamento de fontes na Síria.

Além do mais, as atividades poluidoras exercidas num determinado país podem prejudicar a qualidade de certos recursos compartilhados. O lago Peipsi, situado entre a Rússia e a Estônia, está gravemente poluído pela exploração de xistos betuminosos - uma atividade destinada a produzir petróleo a partir dessas rochas que contêm hidrocarbonetos -, do lado russo. Apesar dos intensos esforços que foram empreendidos no quadro de um programa europeu, o diálogo entre os dois Estados encontra-se em compasso de espera, exceto nos níveis dos cientistas e dos engenheiros, que se mostram mais inclinados, ao que tudo indica, do que as administrações a compartilharem suas informações.

Contudo, os pesquisadores e os especialistas costumam argumentar em favor de acordos entre Estados. "É preciso definir certas regras de partilha, de maneira a impedir que as relações de força prevaleçam", afirma Jean Margat. Mas, segundo Tony Allan, "uma atenção desprezíveis tem sido concedida até o presente momento para a implantação de regras de administração das águas compartilhadas por dois ou mais Estados". Uma convenção das Nações Unidas sobre os rios compartilhados, que estabelece as bases para uma gestão "eqüitativa" entre Estados, chegou a ser adotada em 1997, mas, até hoje ela não foi aplicada.

Com efeito, é difícil para os Estados envolvidos renunciarem a uma parcela da sua soberania. "Os Estados hegemônicos estão mais interessados em não promoverem quaisquer mudanças, pois eles se recusam a ter de respeitar as novas obrigações que resultariam dos eventuais acordos", explica Tony Allan. Entretanto, alguns deles acabaram cedendo e aceitaram negociar com os seus vizinhos. Foi o caso para os rios Mekong e Nilo, que foram objetos de acordos entre países ribeirinhos. Mas, até mesmo dentro do quadro de um acordo, a equidade não prevalece necessariamente. Em relação ao Nilo, dois Estados, o Egito e o Sudão, compartilham a maior parte dos recursos do rio.

Enquanto ela pode constituir um fator de tensão, a questão da água, por si só não chegou a desencadear enfrentamentos armados, ao menos até o presente momento. "É o contexto político geral em cada uma das regiões do mundo que determina a política da água", afirma Marc Zeitoun, da London School of Economics and Political Science (uma das mais importantes instituições de ensino das ciências econômicas e políticas no mundo, com sede em Londres).

No entanto, segundo alguns especialistas, a assinatura de acordos envolvendo recursos em água compartilhados por dois ou mais países poderia fazer com que, por meio de uma cooperação concreta, as más relações existentes entre vizinhos sejam melhoradas.

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