quinta-feira, 22 de julho de 2010

ABELHAS MATEMÁTICA DOS ALVÉOLOS

 
Dr. Augusto Carlos de Vasconcelos, engenheiro consultor, membro da divisão de estruturas do Instituto de Engenharia e de comissões de diversas entidades internacionais, entre as quais o ACI, na Comissão 120 - History of Concrete.

O fascinante estudo da vida das abelhas foi iniciado por um poeta e escritor belga da cidade de Gand: Maurício Maeterlinck. Em 1901 ele escreveu um livro encantador que intitulou "La Vie des Abeilles', traduzido em diversos idiomas, inclusive para o português. Quem entretanto analisou cientificamente o comportamento das abelhas foi o biólogo austríaco Karl von Frisch, Professor de Zoologia da Universidade de Munique. Laureado em 1973 com o Prêmio Nobel de Biologia, Frisch dedicou cerca de 50 anos de sua vida ao estudo desse minúsculo animal e o que conseguiu descobrir utilizando as mais criativas artimanhas é realmente fantástico. A obra máxima de Frisch possui o título original em alemão "Tanzsprache und Orientierung der Bienen'’ (Linguagem da Dança e Orientação das Abelhas). Este livro, publicado em 1965 pela Springer-Verlag foi traduzido para o inglês em 1967. Foi entretanto em outro livro, “Tiere als Baumeister” (Animais construtores) de 1974 que Frisch mostrou e descreveu a construção das colmeias. É principalmente desse livro que foi extraí- da a maior parte das informações aqui transcritas.

O problema dos alvéolos das abelhas despertou a curiosidade dos sábios desde a mais remota antigüidade. O primeiro a se interessar por esse estudo parece ter sido Pappus de Alexandria, matemático grego (320 DC). Ele chegou a estudar alvéolos em forma de prismas de seção hexagonal, triangular e quadrada e deixou transparecer que os prismas hexagonais podiam armazenar mais mel do que os outros dois. Entretanto foi Erasmus Bartholin quem primeiro observou que a hipótese de “economia” nada tinha a ver com o trabalho das abelhas que apenas procuravam executar suas células circulares com a maior área possível mas que, devido à pressão exercida pelas companheiras de trabalho, ficavam impedidas de executar paredes que não fossem planas.

Maraldi chegou às suas conclusões em 1700 depois de observar colmeias com capas de vidro transparente nos jardins de Cassini contíguos ao Observatório de Paris, como ele relata em "Observation sur les abeilles" de 1712. Curiosamente, observações análogas já haviam sido feitas por Sir Christopher Wren, o arquiteto da Catedral de St. Paul em Londres, conforme ele relata numa carta ao falar de sua agradável e profícua invenção de uma colmeia transparente (publicada por S.Hartlib em "Reformed Commonweaith of Bees' em 1655.

Na sociedade das abelhas apenas as obreiras se dedicam à construção. Os zangãos e a rainha não estão equipados para essa função. Inicialmente as obreiras, ainda não fisiologicamente aptas para o trabalho fora da colmeia, se dedicam aos cuidados de alimentação das ninfas, fornecendo-lhes o mel e o “Pão das abelhas”, suco nutriente produzido pelas próprias glândulas salivares no início da vida. Depois de algum tempo essas glândulas secam enquanto as glândulas da cera, localizadas no abdômen entre os anéis de quitina atingem sua maturidade. Nesta fase as obreiras abandonam a tarefa de ama e se dedicam à construção. Mais tarde, quando as glândulas produtoras de cera deixam de funcionar, seu trabalho passa a ser fora da colmeia na coleta de pólen e néctar. Como na atividade externa as abelhas se expõem a maiores perigos, é natural que elas, no início da vida, se dediquem a tarefas internas que proporcionem maior desenvolvimento da comunidade.

Na arquitetura da colmeia julgava-se existir o exemplo mais notável no mundo animal da resolução de um problema de máximo e mínimo. Na realidade a forma é uma conseqüência física do processo construtivo, como já acenado por Bartholin.

O fundo de cada alvéolo é uma superfície poliédrica constituída por três losangos iguais, convexa para cada alvéolo. Os ângulos desses losangos também resolvem um problema de máximo e mínimo, já estudado por diversos matemáticos. Cada uma dessas superfícies poliédricas se assemelha a uma pirâmide de três faces e as soluções possíveis são infinitas. Se o ângulo obtuso do losango se aproxima de 90º o fechamento será feito por meio de três quadrados. O menor consumo de cera no fechamento será atingido para um certo ângulo obtuso que a matemática revelou ser de 109º 28’ 16” valor confirmado com precisão de 1’ em todas as colmeias do mundo! Este fato sensacional merece uma descrição mais pormenorizada, as abelhas estavam mais corretas do que os matemáticos com seus cálculos aproximados.

Se a geometria dos alvéolos de uma colmeia nos surpreende pela regularidade e pela perfeição, mesmo sem a participação inteligente do pequeno inseto, permanece sem explicação a questão do processo construtivo. Quais as ferramentas usadas para conseguir a precisão demonstrada pelo estudo da geometria?

Ao iniciarem a construção as abelhas freqüentemente se agrupam em filas. Após pouco tempo formam uma densa bola viva constituindo um cacho dentro do qual a temperatura é mantida constante e igual a 35ºC. Esta temperatura é necessária para que a cera se torne moldável. Quando a temperatura diminui, as abelhas vibram fortemente as asas para que a energia de movimento se transforme em calor. Se a temperatura ficar acima do limite aconselhável, o trabalho é paralisado e as abelhas deixam o ar passar em rajadas para que a temperatura volte ao normal..

A cera é um produto biológico que aparece apenas numa curta fase da vida das abelhas, quando elas deixam de funcionar como amas e antes de atingirem a maturidade, fase em que sua atividade passa a ser fora da colmeia. A cera aparece sob a forma de pequenas escamas entre os quatro últimos anéis de quitina, como produto de glândulas localizadas na parte inferior do corpo. Essas escamas são recolhidas por meio das patas traseiras que possuem o tarso fortemente aumentado em relação ao das outras patas. Essa região do tarso possui no lado interno uma pequena escova de pêlos que em fase posterior da vida, é usada na coleta de pólen. A cera é raspada de sua bolsa com a extremidade da pata e é presa nos pêlos e dali é transferida para as patas dianteiras e delas para a mandíbula. Para que a cera se torne facilmente moldável é misturada com a secreção das glândulas salivares. A massa é mordida e misturada homogeneamente para obtenção do grau de plasticidade adequado à moldagem, que só se consegue na temperatura de 35ºC.

As abelhas se revezam, as ligações são geralmente feitas por abelhas diferentes, pois elas trocam de posição a cada 30 segundos, provavelmente para reabastecimento de cera.  As sucessoras parecem compreender perfeitamente em que ponto o trabalho foi interrompido e continuam a construção de maneira idêntica. Chama-se aqui a atenção de que a forma regular, pensada como sendo devida às pressões mútuas, é exatamente a mesma desde o começo, quando essa pressão não existe.

Os ninhos são formados por:

• estrutura de entrada, diversificada conforme a espécie;
• envólucro;
• células para encubação de ovos;
• células para desenvolvimento das larvas;
• células para armazenar pólen e mel;
• paredes para proteção do ninho (batume);
• galerias de drenagem, quando há necessidade.

De tudo quanto foi exposto, pode-se concluir o seguinte: as abelhas trazem no seu ADN um programa que controla o modo de construção dos alvéolos. Não existe aprendizado, somente impulso genético.

Por aquele programa, as abelhas devem trabalhar em conjunto, distribuindo-se em grupos de 6 em volta do ponto de trabalho. Isto acarreta a execução das paredes dos alvéolos como planos formando diedros de 120º', pois não existem condições para deslocamentos laterais sem esbarrar com a abelha vizinha. Com 6 planos, o alvéolo resulta hexagonal, com espaço interno exatamente compatível com o tamanho do animal. O número 6 resulta da necessidade do alvéolo abrigar uma só abelha ao nascer da pupa.

O fechamento dos alvéolos também é efetuado por pianos com diedros de 120º. Parece que o programa genético está organizado para a realização de apenas diedros de 120º. Não existindo possibilidade de outros diedros, o fechamento só pode ser feito com os 3 losangos bem determinados.Não existe explicação para a execução do ângulo de inclinação dos alvéolos de 13º em relação à horizontal. Esta inclinação é a necessária para que não haja vazamento do mel, na temperatura constante dos alvéolos, com a viscosidade correta do produto fabricado.

A drenagem das construções feitas dentro da terra é algo surpreendente que deve ser objeto de cogitação nos projetos realizados pelo homem.

A matemática dos alvéolos é apenas uma constatação feita pelo homem de que na natureza se usa sempre a menor quantidade de material para preencher uma certa finalidade. Isto resulta diretamente de um planejamento de trabalho visando maior produtividade e maior rapidez. A economia de material é uma constante na natureza em que o custo é interpretado pelo que se poderia denominar "custo metabólico" .

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